domingo, 9 de fevereiro de 2014

Bastou ser negro!

O medo na cidade: um negro entra no ônibus!
De repente, um cara negro de boné entra no ônibus! O silêncio do pavor começa! A senhora que está sentada na janela, perto do trocador, segura sua bolsa de maneira sorrateira. A menina que estava mexendo no Whatsapp, num instante, pára de usar o celular e o guarda no seu bolso. O moço da maleta, sentado num banco mais alto, vê de forma panorâmica cada atitude do negro que acaba de entrar no ônibus! Ele observa seus movimentos de maneira extremamente calculista, prevendo as projeções e possibilidades como um banqueiro diante de seus investimentos: "se ele se levantar, eu fico mais próximo da ponta do banco e salto no próximo ponto!". 

A senhora, com o seu filho brincando, segura-o como se eclodisse uma bomba nuclear e pede para que seu filho, loiro, fique quieto. O negro senta ao lado de uma outra senhora que também segura a sua bolsa e que por um momento se vê despreocupada, já que carrega consigo a imagem de Nossa Senhora no pescoço. Ela está protegida! Aquele lugar era o único a disposição! O negro se esparramava de cansaço e descontração naquele único lugar vago. O resto do ônibus: tenso. 

Uma mulher toma de pressa o sorvete, um rapaz bota a cabeça pra fora da janela do ônibus. Um senhor velho trás pra si um pacote de envelope pardo com sua aposentadoria, o menino loiro grita, chora, berra e a mãe, novamente, "fica quieto garoto, pelo amor de Deus"! São 18:00! A oração da Ave Maria! E ônibus freia em pleno sinal fechado! Desespero total toma conta! O negro bota a mão no seu bolso e tira uma caixinha de chicletes! Alívio geral! Respiro alto! A senhora que está ao lado do trocador, impaciente, fala com o rapaz que estava contando as moedas que tinham na caixa: "Eu nunca saio de casa essa hora! Tenho medo de assalto! Já fui rendida duas vezes! Por dois pivetes! Um deles era alto, bem negão, me mostrou uma faca enferrujada e ai tentei chamar a polícia, mas ninguém veio! Eu não vou reagir, né! Ai dei tudo! Mas fiquei danada, porque nem o dinheiro do ônibus pra ir pra casa, aqueles filhos da puta deram!". Quem ouviu a história daquela senhora ficou indignado. E até saiu um murmurio de um dos passageiros: "Brasil, um país de merda!". 

A mesma senhora ainda continuou a falar com o trocador: "sabe o que é, meu filho? Eu não vou mentir pra ninguém, não! To velha mesmo! Mas é que eu morro de medo quando um negão assim como entrou o cara de boné entra no ônibus, sabe?". Teve alguém que ouvisse! E novamente um murmúrio: "Eu também!". O senhor da maleta, observando cada passo do negro sentado viu o rapaz se mexer novamente e ele se levantar. Todos dão um pulo de susto vêem que o rapaz de boné puxa a corda do sinal. Ai, a senhora do filho loiro: "será que vai ser agora?". Silêncio. Os olhares dos passageiros acompanham veementes a cada passo do rapaz negro de boné! Ele vai até a porta e salta! UFA! Alívio! A senhora ao lado do trocado vira e fala para alguns passageiros: "Vocês viram? Mas ele iria assaltar!". Ai, um murmuro, o mesmo, desgraçado e sorrateiro murmúrio: "Bastou ser negro!"

Por CARLOS HENRIQUE FIGUEIREDO

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